segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Mito da Caverna de Platão


O Mito da Caverna: Livro VII da “República” de Platão (extrato do texto)

Imagina homens que vivem numa espécie de morada subterrânea, em forma de caverna, que possui uma entrada que se abre em toda a largura da caverna para a luz; no interior dessa morada eles estão, desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo a ficarem imobilizados no mesmo lugar, só vendo o que se passa na sua frente, incapazes, em virtude das cadeias, de virar a cabeça. Quanto à luz, ela lhes vem de u fogo aceso numa elevação ao longe, atrás deles. Ora, entre esse fogo e os prisioneiros, imagina um caminho elevado ao longo do qual se ergue um pequeno muro, semelhante aotabique que os exibidores de fantoches colocam à sua frente e por cima dos quais exibem seus fantoches ao público.
– Estou vendo, disse.
– Figura, agora, ao longo desse pequeno muro e ultrapassando-o, homens que transportam objetos de todos os tipos como estatuetas de homens ou animais de pedra, de madeira, modelados em todos os tipos de matéria; dentre esses condutores, naturalmente, existem aqueles que falam e aqueles que se calam.
– Fazes de tudo isso uma estranha descrição, disse, e teus prisioneiros são muito estranhos!
– É a nós que eles se assemelham, retruquei.
Com efeito, podes crer que homens em sua situação tenham anteriormente visto algo de si e dos outros, afora as sombras que o fogo projeta na parede situada à sua frente?
–Evidentemente!
–Se, portanto, conseguissem conversar entre si, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que avistassem?
–Forçosamente.
–E se, por outro lado, houvesse eco na prisão, proveniente da parede que lhes é fronteira, não achas que, cada vez que falassem um daqueles que passam ao longo do pequeno muro, eles poderiam julgar que os sons proviriam das sombras projetadas?
–Não, por Zeus, disse ele.
–Portanto, prossegui, o homens que estão nesta condição só poderão ter por verdadeiro as sombras projetadas pelos objetos fabricados.
–É inteiramente necessário.
–Considera agora o que naturalmente lhes sobreviria se fossem libertos das cadeias e da ilusão
em que se encontram. Se um desses homens fosse libertado e imediatamente forçado a se levantar, a voltar o pescoço, a caminhar, a olhar para a luz; ao fazer tudo isso ele sofreria e, em virtude do ofuscamento, não poderia distinguir os objetos cujas sombras visualizara até então. Que achas que ele responderia se lhe fosse dito que tudo quanto vira até então até então não passara de quimeras, mas que, presentemente, mas perto da realidade e voltado para objetos mais reais, estaria vendo de maneira mais justa? E se, ao se lhe designar cada um dos objetos que passam ao longo do muro, fosse forçado a responder às perguntas que se lhe fizesse sobre o que é cada um deles, não achas que ele se perturbaria? Não achas que ele consideraria mais verdadeiras as coisas que vira outrora do que aquelas que agora lhe eram designadas?
–Sim, disse ele, muito mais verdadeiras!
–E se, por outro lado, ele fosse obrigado a fitar a própria luz, não achas que seus olhos se ressentiriam e que, voltando-lhe as costas, fugiria para junto daquelas coisas que é capaz de olhar e que lhes atribuiria uma realidade maior do que as outras que lhe são mostradas?
–Exato, disse ele.
–Supõe agora, prossegui, que ele fosse arrancado à força de sua caverna e compelido a escalar a rude e escarpada encosta e que não fosse solto antes de ser trazido até o sol; não achas que ele
se afligiria e se irritaria por ter sido arrastado dessa maneira? E que, uma vez chegado à plena luz e completamente ofuscado, achas que poderia distinguir uma só das coisas que agora chamamos
verdadeiras?
–Não poderia fazê-lo, disse ele, pelo menos de imediato.
–Penso que teria necessidade de hábito parachegar a ver as coisas na região superior. De início, distinguiria as sombras mais facilmente, em seguida, a imagem dos homens e dos outros seres refletidos nas águas; mais tarde, distinguiria os próprios seres.
A partir dessas experiências, poderia, durante a noite, contemplar os corpos celestes e o próprio céu, a luz dos astros e da lua, muito mais facilmente do que o sol e a sua luz, durante o dia.
–Não poderia se de outro modo.
–Penso que finalmente ele seria capaz de fitar o sol, não mais refletido na superfície da água, ou sua aparência num lugar em que não se encontra, mas o próprio sol no lugar que é o seu; em suma, viria a contemplá-lo tal como é.
–Necessariamente, disse ele.
–Após isso, raciocinando a respeito do sol, concluiria que ele produz as estações e os anos, que governa todas as coisas que existem em lugar visível e que num certo sentido, também é a causa de tudo que ele e seus companheiros viam na caverna.
– É claro, disse ele, que chegaria a tal conclusão.
–Ora, não achas que, ao se lembrar de sua primeira morada, da sabedoria que lá se processa, e
dos seus antigos companheiros de prisão, ele não se rejubilaria com a mudança e lastimaria estes últimos?
–Sim, creio.
–E se eles, então, se concedessem honras e louvores entre si, se outorgassem recompensas àquele que captasse com olhar mais vivo a passagem das sombras, que tivesse melhor memória das que costumavam vir em primeiro lugar ou em último, ou concomitantemente, e que, por isso, fosse o mais capaz de fazer conjecturas, a partir dessas observações, sobre o que deveria acontecer, achas que esse homem liberto sentiria ciúmes dessas distinções e alimentaria inveja dos que, entre os prisioneiros, fossem honrados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferiria muito mais “ser apenas um servente de charrua a serviço de um pobre lavrador”, e sofrer tudo no mundo no mundo a voltar a suas antigas ilusões, a pensar como pensava, a viver como vivia?
–Como tu, acho que ele preferiria sofrer tudo a viver dessa maneira.
–Supõe que este homem retornasse à caverna e se sentasse em seu antigo lugar; não teria ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente do pleno sol?
–Seguramente, disse ele.
–E se, para julgar essas sombras, tivesse de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não abandonaram as correntes, no momento em que ainda estivesse com a vista confusa e antes que se tivessem reacostumado, não provocaria risos? Não diriam eles que sua ascensão lhe causara a ruína da vista e que, portanto, não valeria a pena tentar subir até lá? E se alguém tentasse liberta-los e conduzi-los até o alto, não achas que eles pudessem pega-lo e mata-lo, não o fariam?
–Incontestavelmente, disse ele.
–Essa imagem, caro Glauco, terá de ser inteiramente aplicada ao que dissemos mais acima, comparando o que a vista nos revela com a morada da prisão e, por outro lado, a luz do fogo que ilumina o interior da prisão com a ação do sol; em seguida, se admitires que a ascensão para o alto e a sua a contemplação do que lá existe representam o caminho da alma em sua ascensão ao inteligível, não te enganarás sobre o objeto de minha esperança, visto que tens vontade de te instruíres nesse assunto. E Deus sabe, sem dúvida, se ele é verdadeiro! Eis, em todo caso, como a evidência disto se me apresenta: na região do cognoscível, a idéia do Bem é a que se vê por último e a muito custo, mas que, uma vez contemplada, se apresenta ao raciocínio como sendo,
em definitivo, a causa universal de toda a retidão e de toda a beleza; no mundo visível, ela é a geradora da luz e do soberano da luz, sendo ela própria soberana, no inteligível, dispensadora de verdade e inteligência; ao que eu acrescentaria ser necessário vê-la se se quer reagir com sabedoria tanto na vida privada quanto na pública.
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