sábado, 12 de fevereiro de 2011

Entrevistas de Lourenço Mutarelli













26/10/2010 - Folha de S.Paulo
MARCO RODRIGO ALMEIDA
Lourenço Mutarelli troca estilo bizarro por trama mais delicada em novo livro
Quase sempre que se fala de Lourenço Mutarelli, surgem expressões como "estranho" e "bizarro”.
Nada que incomode o escritor e quadrinista de 46 anos, que até reconhece um fundo de verdade nisso.
"Com o tempo eu fui entendendo. No começo, nos quadrinhos, eu não percebia essa minha bizarrice. Hoje acho que era bastante bizarro mesmo", diz.
Mutarelli refere-se a trabalhos como "Transubstanciação", HQ de 1991 sobre Thiago, homem atormentado que assassina o próprio pai.
Mas Mutarelli não quer se limitar a antigos rótulos. Por que não identificar seu trabalho à "delicadeza"?
Pelo menos é a busca que o autor empreende no novo romance, "Nada me Faltará".
"Acho que é meu livro menos estranho", avalia.
No mundo de Mutarelli, contudo, "menos estranho" está bem distante de normal.
O romance narra a história de Paulo, que desaparece misteriosamente junto com a mulher e a filha e ressurge, sozinho, um anos depois.
"Acho que nos meus primeiros trabalhos faltava sutileza. A delicadeza é uma coisa que fui buscando primeiro nos quadrinhos. Agora isso se reflete no romance."
O homem que a Folha encontrou num apartamento da Vila Mariana, cercado por livros e gatos (cinco ao todo), é bem menos soturno que seus personagens.
"A melhor fase da minha vida veio depois dos 40 anos", diz ele, enquanto acaricia um dos gatos.
A carreira também passou por uma virada. Em 2002, desanimado com os quadrinhos, lançou o primeiro romance, "O Cheiro do Ralo".
A história do homem que tem fixação pelo cheiro exalado pelo ralo chegaria às telas em 2006, em filme de Heitor Dhalia, no qual Mutarelli atua como um segurança.
Sucesso de crítica e público, o filme fez do "estranho dos quadrinhos" o romancista da moda. Marcou também o nascimento do ator.
De coadjuvante ele saltaria para protagonista já no longa seguinte, "O Natimorto" (2009), também baseado em livro dele.
Como de costume, Mutarelli viu toda a repercussão com desconfiança.
"Virou moda a escola do bizarro, então é fácil o autor ficar preso num estilo. Já o que me dá prazer é justamente experimentar, buscar novos caminhos", explica.
O sucesso também não o deixou menos avesso aos flashes. Para fazê-lo sorrir, ainda que discretamente, o fotógrafo apelou aos versos da música "Rebolation", que garotos cantavam na rua.
O que o tem divertido mesmo é assistir ao DVD da série "Friends" ao lado da mulher e do filho de 15 anos.
Entre os próximos planos, está escrever para teatro. Algo um pouco mais extravagante, próximo do estilo do início da carreira, do qual admite já sentir saudade.
Mutarelli pode estar mais delicado, mas não ameno.
04/10/2009 
Folha de S.Paulo
RAQUEL COZER
"Nunca tive tanto medo", diz escritor Lourenço Mutarelli
Lourenço Mutarelli se expõe demais. Diz que tenta evitar e não consegue. Há coisa de um mês, abriu um blog para tentar investigar junto com os internautas por que, ou quando, voltou a beber após 15 anos.
O escritor e cartunista lembra que, quando foi para Nova York, por conta do projeto "Amores Expressos", da Companhia das Letras, ainda não bebia. Era setembro de 2007. Dez meses depois, voltou aos EUA para finalizar o livro prometido à editora, e então ele já bebia. Não sabe precisar em que momento aconteceu.
Na última quinta, no Festival do Rio, ele expôs ao público sua estreia como protagonista num longa. O filme é "O Natimorto", de Paulo Machline, baseado no livro homônimo de Mutarelli. O escritor fica o tempo todo em cena, parte dele sozinho, parte com Simone Spoladore.
No entanto, três dias antes, quando a repórter da Folha chega ao seu apartamento, na Vila Mariana, em São Paulo, o escritor e a repórter fotográfica esperam há alguns minutos ansiosos por uma solução.
"Travei, não estava pronto para fotos", ele conta, pouco à vontade com a parafernália da fotógrafa _que sugere que as imagens sejam feitas durante a conversa dele com a reportagem, até conseguir, uma hora depois, o registro ao lado.
"Minha mulher diz que tenho problema em veicular minha imagem. Gosto de ser invisível, não de chamar atenção."
Não gostar de chamar a atenção enquanto se expõe demais é uma das contradições de Mutarelli. Ele não hesita em falar sobre a bebida, a depressão, a relação "absurda" com a família. Também achou "ótimo, agradável mesmo" fazer a cena de "O Natimorto" em que aparece em meio a 600 baratas.
Mas, às vésperas de o longa ser exibido, ele admite: "Nunca tive tanto medo". Protagonizar é diferente de ser coadjuvante, como aconteceu em "O Cheiro do Ralo" (2006), também baseado em livro dele.
A agonia diz respeito à opinião do público ("Não é bom sinal eu gostar do filme"), mas há outras razões. Nesta terça, ele lança seu quinto romance, "Miguel e os Demônios", pela Companhia das Letras, que ainda reedita "O Natimorto".
Daqui a um mês, ele saberá se é mesmo o azarão do Prêmio Portugal Telecom, ao qual concorre pelo bom "A Arte de Produzir Efeito sem Causa". Disputa com António Lobo Antunes e João Gilberto Noll, entre outros, e pode ganhar até R$ 100 mil. "Não imagino ganhar, mas estar entre os dez é legal."
Demônios
Mutarelli parece querer ser mais esquisito do que é. Após vários flashes, comenta que tem fotofobia e que notou que seu olho "anda descolorindo".
Ao falar a respeito de "Miguel e os Demônios" -- romance sobre um policial envolvido com uma travesti, e que será filmado por Tadeu Jungle --, discorre sobre seu interesse pela demonologia. Diz que o alcoolismo e a depressão que o seguem "são aberturas para a possessão".
Em casa, cercado de gatos -- são cinco, Doutor, Doutora, Mentira, Gepreta e Mia --, conta que anda sendo reconhecido nas ruas, o que o deixa "mal".
"Não gosto quando mudam o tratamento por acharem que sou alguém. As pessoas maltratam a gente e, de repente, mudam", diz, ecoando discurso do cartunista Robert Crumb. No entanto, para manter as contradições, insiste em que atuar é o que mais gosta de fazer hoje.
Ele avalia que "O Natimorto", o filme, perdeu a leveza que a peça, dirigida por Mario Bortolotto, tinha. "Paulo optou por tirar o humor. O Agente afunda e não tem volta. É bem próximo do meu universo." O Agente é o personagem de Mutarelli --homem obcecado por ler mensagens nas advertências de maços de cigarro, como se fossem cartas de tarô. O escritor, que fuma dois maços por dia, acha ainda que o filme dará o que falar em tempos de lei antifumo.
O romance para a série "Amores Expressos" deve sair em 2010. Agora ele ensaia uma volta às HQs. Referência do gênero no país, está há cinco anos sem publicar quadrinhos. Foi convidado "por uma grana" e resolveu que sente falta.
Como Mutarelli se expõe demais, a HQ pode ser um registro da relação dele com o pai, morto no início da década. Mas, como gosta de ser estranho, é possível que invista em outra de suas obsessões, os ETs.

2 comentários:

Lucas Bernardi disse...

nossa a parte que eu mais me surpreendí foi quando Mutarelli diz que a melhor fase da vida dele é aos 40 anos! para nós que somos jovens é meio estranho pensar numa ideia desse tipo...muito legal

Gabriel Kanashiro disse...

Nossa, concordo com o Lucas!

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